OURO BRANCO/MG:Violência contra a mulher em pauta na Câmara Municipal

Violência contra a mulher em pauta na Câmara Municipal

É possível, para além da punição de homens que cometem violência doméstica, atuar para interromper a perpetuação das crenças que geram o comportamento agressivo? A resposta, segundo João Wesley Domingues, que atua no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, na coordenação de Grupos Reflexivos para Homens Autores de Violência contra a Mulher, é sim. João Wesley participou, via link diretamente de Brasília, no dia 19 de novembro, de uma Audiência Pública na Câmara Municipal de Ouro Branco com o objetivo de debater o projeto para implantação do Grupo Reflexivo de Homens para Combate à Violência Doméstica contra a Mulher na cidade, uma iniciativa da Promotoria de Justiça da Comarca de Ouro Branco.

Na ocasião, estiveram presentes, os vereadores Neymar Meireles, Imar Vieira, Lan Andrade, Nilma Silva, Valéria Lopes e Warley Pereira; a Juíza de Direito da Comarca de Ouro Branco, Dra. Luiza Starling de Carvalho; o Promotor de Justiça da Comarca, Dr. Pedro Henrique Pereira Correa; Dr. Alex Alvarenga, Procurador Geral do Município, representando o prefeito Hélio Campos; a secretária de Desenvolvimento Social, Bruna Stelamares; Dra. Cândida Paula Junqueira de Assis, Delegada de Polícia Civil; a 3º Sargento Cristiane Rodrigues Pinto, representando a 65ª Cia da Polícia Militar; o Dr. Márcio Vander Vieira, Presidente da Subseção da OAB de Ouro Branco; Anderson Araújo Nascimento, Especialista em Diversidade, e Bruna Fernanda da Mata Nogueira, Assistente de Pessoas, representando a Gerdau; estudantes e profissionais do Direito, Psicologia e Serviço Social; e munícipes preocupados com a questão da violência doméstica.

“Quem está aqui nesta Audiência entende que a violência contra a mulher é uma das maiores mazelas da sociedade atual”, afirmou o promotor da Comarca, dr. Pedro Correa. E os números reafirmam isso: segundo o promotor, apenas no primeiro semestre de 2021 foram 159 processos judiciais nesta área em Ouro Branco. “E ainda temos que lembrar que muitos casos não se transformam em processos, então os números são muito maiores. Nossa sociedade é por demais patriarcal e questões ligadas à dependência econômica e afetiva ainda falam muito alto”, alegou.

À frente da Delegacia de Mulheres de Ouro Branco por 12 anos, a dra. Cândida Assis afirma que os números de violência contra a mulher só aumentam na cidade, e sem expectativas de melhora. Segundo a delegada, não há um dia sequer que um caso de violência contra a mulher não seja registrado em Ouro Branco. A maioria dos homens agressores de Ouro Branco tem entre 20 e 40 anos, o que demonstra o machismo enraizado até mesmo nos mais jovens. Até a data da Audiência Pública, 402 boletins de ocorrência de violência contra a mulher tinham sido registrados na cidade, sendo que 50% têm a ver com violência psicológica. “Sozinha, a polícia não tem condições de mudar esta realidade. A violência contra a mulher é um câncer que não estamos conseguindo tratar”, comparou a delegada.

A secretária municipal de Desenvolvimento Social, Bruna Stelamares, afirmou, durante a Audiência, que mulheres, crianças e adolescentes são o público prioritário das políticas sociais do Município. Entretanto, o atendimento ao agressor é um “limbo” das políticas de assistência social, não só em Ouro Branco, mas no País. “Percebemos situações em que uma intervenção junto ao agressor poderia ter bons resultados, mas não temos instrumentos para isso”, relatou. Por isso, colocou a Secretaria como parceira do projeto.

Experiência

Os Grupos Reflexivos para Homens Autores de Violência buscam a mudança de crenças perpetuadoras de violência contra a mulher e, por consequência, a diminuição da reincidência e de danos às mulheres, filhos, aos próprios homens e à sociedade. O trabalho é feito buscando desnaturalizar a conduta violenta, promovendo a transformação dos padrões da masculinidade hegemônica.

O objetivo é o rompimento do ciclo da violência. A prática mostra que, quando o agressor é punido somente com prisão, ou outras formas que não o levem à reflexão, provavelmente ele voltará a reincidir. A cessação dos comportamentos violentos dos homens traz, consequentemente, a segurança da mulher. Por isso, é preciso dar atenção aos homens para proteger as mulheres da violência. Iniciativas pelo País demonstram que ajudar o agressor a reconstruir a própria masculinidade é tão importante quanto ajudar a mulher agredida.

João Wesley relatou sua experiência de seis anos à frente da coordenação de Grupos Reflexivos para Homens Autores de Violência contra a Mulher no Distrito Federal. Mais de 3500 homens já passaram pelos grupos, e as mudanças são radicais, tanto que apenas 2% daqueles que passam pelos grupos reincidem.

Segundo João Wesley, não existe momento melhor para se implantar esse projeto, tendo em vista a alteração na Lei Maria da Penha, de abril de 2020, que obriga os agressores de mulheres a frequentar centros de reabilitação. O Conselho Nacional de Justiça também já reconhece a importância desses grupos. “No início, fomos criticados por ‘estar passando a mão na cabeça de bandido’. Mas acreditamos que nenhum homem nasce violento, são as crenças machistas que tornam esses homens agressores de mulheres. E é possível descontruir isso”, afirmou.

As causas da violência de gênero têm a ver com a relação de poder e a rigidez advinda do patriarcado. Homens inseridos desde criança em um ciclo de violência que não aprenderam outras formas de agir a pensar para além das que conhece. Segundo João Wesley, os grupos reflexivos para homens autores de violência contra a mulher são espaços de atenção, educação, intervenção, escuta, cuidado, restauração e responsabilização. “A ciência comprova que, sem a autorresponsabilidade, não há mudança de comportamento. E, nos grupos, os homens se percebem violentos, principalmente se enxergando nos outros participantes”.

Muitos desses agressores são tolhidos de seus sentimentos desde que eram crianças. O que eles fazem é replicar o comportamento agressivo, naturalizando a violência doméstica que já presenciaram. Os grupos trabalham para desnaturalizar a violência, nos diversos contextos em que ela ocorre. “Nada justifica a violência, ela não pode ser banalizada. Mas entendemos que uma  sentença não resolve o problema da família, os homens precisam ser reeducados.  90% das mulheres não querem que os companheiros sejam presos e sim que mudem”, relatou João Wesley.

Agindo na raiz do problema

Segundo a dra. Luiza Carvalho, Juíza de Direito da Comarca de Ouro Branco, foi constatado o aumento da reincidência nos casos de violência doméstica no Município, e a reincidência, nesses casos, leva aos piores desfechos. “A sensação que temos, muitas vezes, é que nenhuma sanção penal parece suficiente. Por isso, acreditamos que a melhor forma é agir na raiz do problema, o que os grupos têm se mostrado eficazes em fazer”, argumentou.

Para João Wesley, também é muito importante trazer para os grupos de reflexão as igrejas e seus representantes, visão compartilhada pela delegada, dra. Cândida. “Textos bíblicos fora de contexto legitimam a violência contra a mulher. Além disso, as lideranças religiosas são muito representativas para várias famílias”, destacou João Wesley.

O Especialista em Diversidade da Gerdau, Anderson Nascimento, lembrou da importância da atuação das empresas privadas nesta questão. “Entendemos que trazer as mulheres para o mercado de trabalho contribua para diminuir a violência contra a mulher, pois a dependência econômica é um dos fatores que agravam a questão. Também temos grupos de discussão na empresa que abordam o atual papel do homem na sociedade e na família, e isso é fundamental para acabar com as crenças limitantes que geram a violência”, relatou.

O vereador Lan Andrade parabenizou a iniciativa, destacando a importância do tema para a cidade. A vereadora Nilma Silva lembrou a importância de romper o ciclo da violência, trabalhando formas de intervenção junto aos filhos de agressores. O vereador Imar Vieira lembrou da importância de sensibilizar os homens para o problema, destacando que, embora seja a vítima, o problema não é da mulher. O vereador Warley Pereira lembrou da importância do acompanhamento dos agressores e de como o sistema de crenças interfere nestes casos. Para a vereadora Valéria Lopes, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, trabalhando em conjunto, são capazes de realizar muito mais. E lembrou que as questões social e cultural também interferem muito nos casos de violência contra a mulher: “Temos um arcabouço jurídico dos mais avançados, o que precisamos é de ações em rede para derrubar o machismo enraizado”. O vereador Neymar Meireles, que é policial civil e acompanha diariamente o problema da violência contra a mulher, reafirmou a importância de ações para além da Lei Maria da Penha: “trabalhar os agressores é fundamental. A função da lei não deve ser apenas a punição, deve ser a educação também, daí a importância de ações como os grupos de reflexão”.

“Tratar da violência contra a mulher sem oferecer atendimento ao homem agressor é como secar o chão com a torneira aberta.” A afirmação, do pesquisador do Grupo de Estudos de Gênero da UFPR, Ricardo Bortoli, citada por João Wesley durante a Audiência, sintetiza a importância do assunto. Ao final dos trabalhos, o promotor, dr. Pedro Correa, agradeceu a Câmara Municipal por disponibilizar o espaço para o debate de um tema tão fundamental. “Trazer esse projeto para a nossa realidade é enxergar uma luz para extirpar essa chaga da nossa sociedade, que é a violência contra a mulher”.

Com informações da Câmara Municipal de Ouro Branco